Cartas Para Lugar Nenhum é a newsletter de JP Lima. O nome vem da ideia de que newsletters podem chegar a pessoas que eu nunca imaginaria que as leriam . Também tem um pouco a ver com esse processo meio solitário e escrever e não saber exatamente para quem.
Se quiser apoiar meu trabalho você pode dedicar 10 reais mensais ou 80 anuais e me ajudar a produzir com mais frequência e menos hiatos. O meu ritmo de trabalho anda maluco e acabo escrevendo menos na newsletter do que gostaria, e quero mudar isso. Compartilhar, recomendar e comentar também ajuda muito a manter a vontade =).
Recentemente conversei com diversas pessoas queridas a respeito de projetos delas. De periódicos incomuns a livros tradicionais, passando por carreiras de agenciamento, criação de negócios próprios na área de estética, havia diversos elementos em comum: dúvida, senso de incapacidade de atingir o ápice, decepção. Parece haver uma onda de desânimo quanto às perspectivas de sucesso individual.
A minha dúvida é: o sucesso “individual” algum dia foi possível? Pode-se argumentar que quem não nasceu em berço de ouro ou foi contemplado por oportunidades incríveis no momento certo pode chegar ao ápice do sucesso e para isso eu digo: nada de grandioso se faz sozinho.
Mas e quanto à carreira da Taylor Swift, do Michael Jackson, dos atletas olímpicos, etc? Bom, para artistas musicais há produtores, engenheiros de som, técnicos, assistentes de montagem, coreógrafos, uma estrutura enorme de pessoas que colaboram para o produto final. No caso de atletas olímpicos isso é ainda mais claro com técnicos, massagistas, preparadores e assim por diante.
A verdade é que no mundo em que vivemos, nada (ou quase nada) é fruto do esforço e suor de apenas uma pessoa, e eu acho que isso é bom.
Oponentes ou aliados?
Um dos meus hábitos adquiridos nos últimos meses é assistir a batalhas de rimas. Eu sempre gostei de improvisação, de construção coletiva de histórias, daí o que me levou a jogar e trabalhar com RPG. Existe algo de mágico que acontece quando uma história ou narrativa se torna colaborativa. Nas batalhas de rima isso acontece de uma forma fascinante.
Um MC começa atacando, e o outro tem de incorporar esses ataques em sua defesa, tentando articular a lírica, a métrica, as referências e devolver os golpes sofridos. Os ataques do oponente tornam a sua resposta mais bela e impressionante.
Numa mesma batalha ofensas proferidas com brutalidade são substituídas por abraços e sorrisos entre os rounds. Há brigas e às vezes, até ameaças de violência, mas são raras. Na arte e na construção de algo maior, a violência é linguagem.
Apesar disso, de batalhas de rima serem uma linguagem e tradição periférica, há uma recorrência de discurso que diz “a salvação é individual”. Em meio a uma construção comunitária, espaços conquistados com mobilização popular, anos durante os quais o prêmio do MC vencedor da noite foi apenas a folhinha (a folha de papel na qual são montadas as chaves de disputa da noite), o discurso de que cada um só pode salvar a si mesmo se sobressai. É um misto de pessimismo com realidade que arde em quem ouve.
Mesmo no espaço em que seu oponente é seu aliado para criar algo maior mais belo, mais carnal e impactante, muitas vezes cada um sente que só pode cuidar de si.
Sonhos coletivos de difícil realização
Eu tenho um grupo de amigos que se conheceu basicamente pelo amor à literatura. Tem gente que trabalhou em quase todas as etapas do processo produtivo de um livro, e daí os que descambaram pra filmes, jogos, tudo que for comunicação, entretenimento e cultura e formas de contar histórias. E nós estamos sempre trocando sobre desânimo, sucessos duvidosos e sobre o mercado andar complicado.
Um sonho recorrente dessa galerinha irada (alô Xamegolindos, amo vocês) é o de um de nós enriquecer a ponto de bancar os projetos dos outros. Dar grana pra essas pessoas realizarem o monte de ideias geniais que sabemos que elas têm, mas que não conseguem colocar no mundo porque estão ocupadas com contas, três empregos, descaralhamento mental e com as idas e vindas da vida. Todo mundo quer criar, ninguém tem energia ou tempo.
A gente acha alento no apoio mútuo, nas trocas intelectuais e afetivas e indicações de trabalho e reforço positivo porque… o que mais se pode fazer enquanto ninguém ganha na Mega-Sena?
Utopias e Tilelices
Nos últimos meses também comecei a me envolver mais na comunidade não-monogâmica de Salvador, fiz algumas amizades, me cerquei de mais amor e tive diversas discussões acaloradas.
Também lidei com ideias utópicas de ecovilas amor livre que me fizeram lembrar que a solução coletiva nem sempre é simples ou óbvia. Não é apenas “mudar pro mato e morar todo mundo junto vivendo do que a natureza dá”. Pessoas que falam isso no geral entendem pouquíssimo de sustentabilidade e vida autônoma. É um sonho calcado na ideia de “é melhor que isso aqui de viver no temp industrial do capitalismo” e provavelmente PODE ser, mas em geral essas ideias não levam em consideração as condições materiais.
A mudança deve ser coletiva, mas será que a mudança que queremos é essa solução simples de “vou deixar tudo para trás porque tenho grana e desprendimento que baste?”
A felicidade na escassez
Esses dias assisti, no podcast Três Elementos, a entrevista com o Felipe Barbieri, mágico e mentalista. Ele comentava sobre sua vivência em Cuba, quando viajou para conhecer o país, e falava sobre como o povo de Cuba (obviamente que não TODAS as pessoas) é feliz. Feliz apesar do embargo, dos poucos recursos, da limitação de escolha em termos de produtos.
Se a vida pode ser boa sem Playstation 5, sem 16 opções de leite no mercado, sem carro 2024, e se é possível que nesse cenário não haja quase ninguém passando fome… qual o caminho para nos aproximarmos disso? Como fazemos para buscar soluções realmente coletivas e valorizar todos os outros camaradas seres humanos que fazem parte desse mundo que nos rodeia?
Enfim
Eu sinto que me falta muita erudição, mas a cada dia me pego pensando mais em como fazer para que eu dê reconhecimento e trate com gentileza todas as pessoas próximas de mim. Porque se o mundo é coletivo e somos seres sociais, não existe salvação individual. E só seremos fortes se nos organizarmos e aprendermos a pensar de forma coletiva
#TocaAInternacional
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Mora em Salvador e quer ser migs? Quer dar em cima de mim? Quer me ameaçar por falar mal de São Paulo? Meu Instagram é j.limag e o Bluesky é @jplimag.bsky.social
Até a próxima,
JP
Eu fico achando que uma coisa mt forte é pensar em escala das comunidades. Qd a gente fala "vamo juntar esse grupinho e morar no meio do mato" é pq a gente entendeu que não existe solução individual, mas a gente não consegue enxergar uma solução que dê conta de mudar o brazil inteiro (imagina o mundo)