Que se fodam os agressores
Sobre o que interessa em casos de escritores de fantasia, a editora que eu não citaria, e as vítimas que ficam à míngua.
Nessas últimas semanas tivemos escândalos sequenciais. Uma matéria bastante gráfica e dolorosa de ser lida, especialmente para vítimas de violência e pessoas que tenham gatilhos associados remexeu o mundo da literatura e audiovisual ligado a fantasia. Um homem que foi endeusado e visto como “o único homem branco do meio no qual dá para confiar” foi revelado, além das queixas anteriores, como muito mais abjeto do que imaginávamos.
Também apareceu, nesse tempo em que ainda tentávamos digerir essa porrada, que muitas pessoas chamaram de traição, uma história bem diferente num podcast de altíssima qualidade, falando sobre um grande nome de uma editora famosa que traiu a esposa e fez gaslighting e outras estratégias rasteiras e covardes para convencê-la do contrário.
A fé nos homens caiu ainda mais (e deveria). E o primeiro impulso de quase todo homem cis é dizer “Mas nem todos os…”. Bom, se você chegou a ensaiar essa frase, eu rogo pra que cale a boca. Não é hora de se defender, aliás, NUNCA é a hora de usar essa tão mal afamada frase. Nós homens precisamos ser responsabilizados, cobrados, educados e afastados de onde possamos fazer mal. O mundo é nosso há eras e sempre que alguém diz que essa merda é estrutural, a síndrome do floquinho de neve único e especial dá as caras.
Mulheres e pessoas não-cis ou desviantes temem homens. E isso faz todo o sentido. A verdade é que o homem médio pode fazer absurdos sem sofrer grandes consequências. O homem branco (ou alaranjado), rico e famoso pode reproduzir um discurso vilanesco digno de histórias em quadrinhos, agir de acordo e sair impune.
Sei que nosso primeiro impulso em momentos como esses é execrar os famosos que fizeram as merdas. Mas a dúvida que me bate é: o que isso muda?
“Porra, JP, você tá dizendo que a gente não tem de boicotar o NG ou o moço da editora TV?” Não. Eu tô dizendo que a gente deveria se preocupar com a estrutura.
Se você quiser textos sobre como esses caras tem mais é que se fuder, eu sugiro que leia postagens de mulheres autoras, que ouça o podcast Rádio Novelo Apresenta e que abrace a perspectiva de quem tem muito mais conhecimento de causa do que eu, que sabe o que é viver oprimide por homens. O que me importa aqui é outra coisa.
A gente está falhando com as vítimas. A gente fala sobre como nossa traição por alguém que admirávamos dói, mas o que está sendo feito para prevenir violências similares, gerar uma rede de apoio às vítimas, fazer reparações e mudar essa estrutura merda que permite que homens saiam impunes nessa bosta toda.
Não, eu não estou pregando a responsabilização individual de cada pessoa que ficou puta. Não me interessa esse papo individualista de “cada um faz sua parte” porque duvido muito que a gente pudesse impedir metade dessas merdas com esse trabalho de formiguinha.
Mas você, homem, que deixa seus amigos fazerem piada de estupro, que não estranha quando eles querem pegar a mina bêbada na balada, que encobre traição ou passa pano pra violência, você pode fazer mais, caralho. A GENTE precisa fazer mais.
Ou Y, The Last Man (um quadrinho que seria muito melhor se não tivesse sido escrito por um homem) vai se tornar cada vez mais uma ideia de futuro luminoso, se pá a gente encaixa no HopePunk.
A gente precisa melhorar. O sistema precisa mudar. E as pessoas precisam ser mais protegidas, pela porra do governo, por associações de bairro, por sindicatos, pelo coletivo e nossa organização. E boicotar um desses homens brancos ricos aí pode até mitigar nossa culpa, assim como a gente sente quando não dá dinheiro pra transfóbica maluca, mas não vai resolver grandes merdas. As coisas precisam mudar porque essa merda é assim há tempo demais.