Eu gostava muito de ouvir histórias infantis/contos de fadas quando criança. Minha mãe deveria ser canonizada pela quantidade de vezes que repetiu algumas histórias com a dos Três Porquinhos. Muitos de nós nos acostumamos com a moralidade envolvida nessas narrativas. E , desde a infância, gostamos de acreditar que sempre seríamos a personagem sensata e sagaz que escapa de tudo. Mas será mesmo?
O Porquinho Prático é o planejador, cuidadoso, que se antecipa ao problema (que não parece ter um prazo exato para acontecer) e dá um jeito de estar o mais pronto possível, com o máximo de segurança. Mas quem de nós cresceu num ambiente que permitia isso?
Eu fui criado numa lógica de apagar incêndios, de lidar com os problemas conforme eles explodiam na minha cara, porque é assim que a vida é quando se tem recursos limitados, ou se vive num ambiente pouco seguro. Se tudo é uma ameaça, e se a calmaria dura muito pouco, como você iria se antecipar a algo que está distante?
Como o bombeiro da imagem acima, eu aprendi que a vida é lidar com os problemas de cada vez sem ter muito como levar todos a sério o tempo todo. Eu seria o Porquinho da casa de palha que construiria várias em seguida conforme o lobo chegasse e ficaria correndo e fazendo outras coisas enquanto a segurança e o conforto ficariam em segundo plano.
Uma parte importante da nossa visão de mundo é constituída ainda na infância. Viver em situação adversas sem que os adultos responsáveis nos deem segurança para saber como tomar as melhores decisões nos marca para a vida. Hoje eu sou capaz de de planejar, organizar minhas finanças, ajudar amigues e fazer planos coerentes, organizar eventos, gerir projetos. Mas quão difícil foi aprender isso após anos de condicionamento contrário?
Talvez seu primeiro instinto, assim como o meu, não seja o mais consistente e lógico. Traumas nos marcam e nos fazem recorrer ao mais primitivo, os instintos de atacar, fugir, se dobrar à vontade dos outros ou mesmo ficar paralisades (Fight, Flight, Freeze, Fawn em inglês). Nem sempre somos racionais, perfeccionistas e planejadores diante de um lobo com dentes afiados. Mas podemos aprender e desenvolver essas competências e contar com o apoio de quem aprendeu diferente.
É possível, apesar de cansativo e trabalhoso, adquirir novos hábitos. Mas eu prefiro acreditar que o fazemos para melhorar nossas vidas e porque nos importamos. E não apenas porque uma ameaça gigantesca já devorou nossos irmãos.
Po, não conhecia Fawn. Interessante, me vejo bastante nele — ainda mais pensando em situações transacionais com meu pai, em que eu só aceitava e concordava para evitar problemas. Curioso.